« Desde o dia em que abrimos os olhos e vemos o rosto da nossa mãe, acho que o coração, por assim dizer, deixa de nos pertencer. É um chato que nos comove. É um traidor. É um independente. É um inquilino. »



De passagem


Lançou-lhe um último olhar, como se tratasse do último. Virou as costas e deixou que uma única lágrima se soltasse pela face, como uma fugitiva. Rápida e desesperada. Contava os passos à medida que se aproximava de casa, e a cada passo sentia mais uma lágrima a escapar-se por entre os olhos penosos. Nunca tivera tendência para chorar, e na realidade limitou-se a respirar, simplesmente. Frágil, caminhou entre os arbustos, para que o caminho lhe demorasse um pouco mais do que o costume. Queria sentir vontade de chorar e então poder chorar sem que ninguém mais visse. Sentou-se e de repente ficou escuro. As luzes da rua não tinham intensdade suficiente para atravessar a força da florestação onde se encontrava. Disse em voz alta: Apesar de tudo, não consegui que me fizesses feliz, ou minimamente deslumbrada. E apesar de tudo, não voltava atrás. Nem para perdir perdão pela sinceridade afiada, nem pela oportunidade de poder começar de novo. Levantou-se, viu luz, muita luz a cegar a pouca racionalidade que ainda lhe restava. E continuou o caminho para casa. Pararam as lágrimas. Parou de andar. O que nos consegue demover a um estado maior de graça, leva-nos ao maior estado de desgraça. A jurar que são as últimas palavras e os últimos olhares, perdemos o último terminar. Intenso e perturbante.

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